Parâmetros do solo em Arte Circense

Suponhamos que a arte circense seja algo exatamente indefinido. Suponhamos que palhaços não sejam a alma de um circo, nem que o circo seja lona. Suponhamos que acrobacias não sejam ginásticas, que não sejam desafio, que não sejam exibicionismo. Suponhamos que o interesse não seja financeiro, que a sobrevivência não seja o motor, nem que a esperança seja o público. Suponhamos agora que ele não seja para dias de domingo, para entreter. Suponhamos também que não há limite e que a verdade é para poucos, porém o objetivo é alcançá-los. Suponhamos que o nosso interior seja a fonte e que o exercício seja a exposição. Por fim, suponhamos que estamos na contemporaneidade, com todas as questões preocupantes que ela dispõe e com todas as sutilezas necessitando desabrochar. Agora, utilizando o senso de mixagem circense nessas suposições, surge uma necessidade de fazer da arte circense um instrumento de sensibilidade.

O circo solo é um novo modo de fazer do circo. A palavra solo toma significado ambíguo, pois remete ao que há de mais único no ambiente sensitivo pessoal e também remete ao chão, a solidez tão crua e simples, universal. Por mais que sejamos diferentes nos aspectos interiores e que tenhamos personalidades e difusões energéticas diferentes, somos iguais como um todo, pisamos no mesmo solo e teremos sempre a mesma linha anatômica para usar na decodificação da visão de mundo em emoções. O que traz o circo de especificidades são a surpresa e a impressão a se causar, porém tão mais importante é a naturalidade da execução, é estar desprovido de exibicionismo e saber se expressar com a verdade própria, não de acordo com ações predeterminadas.

O limite físico circense está diretamente ligado a capacidade máxima do corpo-indivíduo. O que não significa ser a capacidade máxima do corpo humano. Cada pessoa com seu desenho corporal tem seu limite. Em circo este fato sempre foi muito bem definido devido à diversidade de atividades físicas, de trabalhos e estéticas corporais. Cada circense faz parte de uma determinada área que demanda de determinados trabalhos e limites físicos. O que realmente importa se tratando do tema é o conhecimento amadurecido do corpo e a não desistência do trabalho físico, sendo o resultado a busca pelo limite próprio. Limite se torna basicamente uma metáfora para a resistência e o encorajamento e se coloca em patamares inatingíveis, também propondo longas durações de vigor e disposição para com a arte circense.

Estranho seria não conciliar toda essa potência mecânica com um pouco de subjetividade, energia e emoção. É onde entra todo o poder individual de sentir o interior e o meio e reproduzir com verdade as sensações. Verdade essa que nada mais é a imagem da maneira natural com a qual nos expressamos. As influências no movimento, na transpiração, no rosto, na respiração, na voz são resultados da busca por essa imagem. É um trabalho tão difícil e complexo quanto o trabalho corporal, nunca estando abaixo e menos importante. O que somos é mais necessário do que poderíamos vir a ser.

Introduzindo a maneira como raciocino e desenvolvo o circo solo, finalizo o texto com algumas considerações a mais. Circo não são apenas narizes de palhaços, sorrisos, status, alegria. Circo recria um universo diversificado de movimentações, relações fortes de confiança e interação total com os objetos cotidianos (aparelhos circenses não surgiram do nada, mas da utilização diferenciada que acrobatas desenvolveram com os objetos). Esses são aspectos pouco explorados da arte circense e que precisam de uma atenção especial, se tratando da nossa época, da evolução artística dela e da necessidade de expressar-se de seus contemporâneos.

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